Choques globais, reações locais: conflitos no exterior reacendem os riscos inflacionários e expõem a vulnerabilidade da economia brasileira
- Jornal Itajubá Notícias
- há 3 dias
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“Em junho de 2025, o mundo voltou a prender a respiração diante da escalada bélica entre Israel e Irã. No Brasil, o impacto foi quase imediato: combustíveis mais caros, inflação pressionada e juros persistentemente elevados. A geopolítica internacional, frequentemente tratada como um tabuleiro de potências distantes, se manifesta aqui em reais, no preço do diesel, no custo do frete, no valor dos alimentos.
Conforme noticiado pelo New York Post (2025), o Parlamento do Irã aprovou uma proposta para o fechamento do Estreito de Ormuz, uma rota estratégica por onde transita cerca de 20% do petróleo mundial diariamente. A medida, com potencial para bloquear cerca de US$ 1 bilhão em embarques de petróleo por dia, reacendeu temores de desabastecimento e impulsionou os preços internacionais do petróleo. Esse risco já havia sido antecipado pelo Global Risks Report 2025, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, que apontava a instabilidade no Oriente Médio como uma das ameaças econômicas mais relevantes do ano.
Nos Estados Unidos, o retorno de Donald Trump à presidência resultou em apoio militar explícito a Israel, mesmo enquanto promove, de forma ambígua, esforços por um cessar-fogo frágil. Segundo análise da ABP Live (2025), os riscos geopolíticos somados à política tarifária de Trump e à volatilidade nos preços do petróleo levaram o Federal Reserve a esperar mais sinais antes de cortar juros, priorizando a estabilidade diante de choques externos inesperados. Como apontam analistas internacionais, o cenário geopolítico atual combina conflitos militares com batalhas narrativas e efeitos econômicos difusos, como a inflação indireta alimentada por choques de oferta e incertezas logísticas.
Esse cenário não surgiu de forma repentina. Trata-se da continuidade de uma sequência de choques iniciada anos antes. A invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, foi um divisor de águas: juntas, as duas nações respondiam por aproximadamente 30% das exportações globais de trigo, além de exercerem forte presença nos mercados de milho, óleo de girassol, fertilizantes e petróleo, conforme dados do World Food Programme. Os reflexos foram imediatos no Brasil. De acordo com o Valor Econômico (2023), os preços dos fertilizantes nitrogenados registraram alta superior a 80% entre março e julho daquele ano, ao passo que o barril de petróleo ultrapassou a marca de US$120. Diante desse choque de oferta, o Banco Central reagiu elevando a taxa Selic para 13,75%, o que resultou na retração do crédito, do consumo e do ritmo de crescimento econômico. Três anos depois, os desdobramentos dessa turbulência ainda deixam marcas significativas no ambiente econômico nacional.
Como alertou o economista Ricardo Amorim em junho de 2025, a escalada do conflito entre Irã, Israel e Estados Unidos pode parecer distante, mas seus efeitos são imediatos e tangíveis, o petróleo já subiu 10%, e um eventual bloqueio do Estreito de Ormuz teria repercussões globais. Para além das dimensões humanitárias, ele enfatiza que esse cenário exige preparo estratégico e antecipação por parte de governos, empresas e consumidores.
Vivemos uma era de interdependência profunda. Um disparo em Kiev ou um míssil em Teerã repercute diretamente nos postos de gasolina de Itajubá. As guerras contemporâneas não se limitam aos campos de batalha: elas se desenrolam também nas rotas comerciais, no acesso a grãos, semicondutores e fontes de energia. Nenhuma economia é uma ilha. Conflitos armados aceleram tudo, a inflação, a incerteza, o medo, mas também ampliam as oportunidades para quem compreende o cenário e se antecipa com inteligência.
Apesar das adversidades, o Brasil ainda conta com margens de manobra. A quebra de safras no Leste Europeu e as restrições comerciais impostas a países do Oriente Médio abriram novas janelas de oportunidade para o agronegócio nacional. De acordo com a Conab (2024), as exportações de milho pelo Arco Norte, um dos principais corredores logísticos da safra brasileira, cresceram mais de 50% no último ano, impulsionadas por investimentos em infraestrutura multimodal e melhorias nos terminais portuários da região. Paralelamente, a valorização internacional dos biocombustíveis e das energias renováveis também impulsiona setores nos quais o Brasil detém reconhecida vantagem competitiva: em junho de 2025, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) elevou o percentual obrigatório de etanol na gasolina de 27% para 30%, e de biodiesel no diesel de 14% para 15%, medida celebrada como estratégica para a segurança energética e para os compromissos ambientais do país. No entanto, transformar essas conquistas em ganhos duradouros exige a consolidação de uma cultura de planejamento estratégico, algo que o país, historicamente, alterna entre avanços pontuais e descontinuidades em momentos de bonança.
Enquanto alguns setores colhem frutos, outros enfrentam severas dificuldades. Indústrias dependentes de insumos importados sofrem com o aumento de custos e incertezas logísticas. Transportadoras encaram reajustes constantes no diesel. Pequenos empresários veem suas margens comprimidas pela volatilidade cambial e pelo aumento das despesas operacionais.
Nas capitais e nos municípios do interior, os efeitos já se fazem notar: aumentos expressivos no custo do frete, na alimentação e nos insumos agrícolas pressionam a economia cotidiana. O caso do Irã, relevante exportador de ureia, ilustra com clareza essa dinâmica: após a imposição de sanções e a escalada de ataques em seu território, os preços dos fertilizantes dispararam, conforme registrado pelo UOL Economia (2025). Paralelamente, relatório da Oxford Economics (2025) classificou o Oriente Médio como um dos principais epicentros de instabilidade geopolítica, com potencial elevado de disrupção das cadeias globais de suprimentos. Em um sistema interdependente, quando o mundo balança, o Brasil não apenas balança junto, ele sente na pele, e o consumidor paga a conta.
Os efeitos se sobrepõem: petróleo caro pressiona combustíveis e logística; fertilizantes encarecem a produção agrícola; a inflação desafia o IPCA e a taxa de juros; o câmbio instável penaliza importações; o crédito encarece. Há ganhos no agro, sim, mas sob a sombra de uma possível desaceleração global que comprometa investimentos e crescimento sustentável.
A guerra, portanto, não é apenas manchete distante: é um espelho da vulnerabilidade estrutural da economia brasileira. O país não decidirá os rumos de Teerã ou Gaza, mas pode, e deve, fortalecer seus setores estratégicos, antecipar cenários e construir sua resiliência interna.
Esse fortalecimento passa, inevitavelmente, por decisões internas que vão muito além das rotas comerciais ou dos embargos internacionais. A resposta aos choques globais depende também da inteligência institucional com que o Brasil gerencia seus ativos estratégicos. O caso da Petrobras é emblemático: sua política de preços ilustra como escolhas nacionais podem amplificar ou atenuar pressões externas. Quando o barril dispara no Golfo Pérsico, o impacto nas bombas brasileiras não é apenas uma questão geopolítica, é também uma questão de política econômica.
O mesmo raciocínio vale para os fertilizantes, o câmbio, o sistema logístico, o crédito rural e a infraestrutura de armazenagem. Cada elo fragilizado dessas cadeias aumenta a exposição do país a choques externos e diminui sua capacidade de reação. A inflação, os juros altos e a insegurança de pequenos empreendedores não são apenas sintomas de guerras alheias, mas reflexos de escolhas internas que priorizam o improviso à estratégia.
Porque, em um mundo cada vez mais desequilibrado, sobreviver não depende da sorte, mas da capacidade de planejar com inteligência, proteger o essencial e agir com visão de longo prazo”. (Texto de Antônio Suerlilton)
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